terça-feira, 13 de abril de 2021

O impacto da COVID na fertilidade feminina

 


O Covid pode interferir na minha fertilidade? Estou grávida, devo ser vacinada? Meus óvulos podem ser infectados pela Covid? A vacina causa algum efeito durante o processo de aplicação dos hormônios para estimulação dos óvulos?


São perguntas como essas que rondam os consultórios de especialistas de reprodução assistida. Com o crescimento exacerbado de mulheres que passaram a congelar seus óvulos no período da pandemia, cresceu também os questionamentos das mesmas referente a ação da Covid-19 na fertilidade, no óvulo e na segurança do procedimento. Dois especialistas que estão presentes no dia a dia de estudos de renomadas instituições nacionais e internacionais sobre o tema, Dr Emerson Barchi Cordts (Ginecologista especializado em cirurgia vídeo-endoscópica, Mestre e Doutor em Medicina Reprodutiva pela FMABC), e Ivan Henrique Yoshida (Embriologista, Especialista em Reprodução Humana, Mestre em Genética Reprodutiva pela FMABC), buscam esclarecer algumas dessas dúvidas.

 

As respostas para algumas perguntas não podem ser trazidas com absoluta precisão pela sociedade médica, mas algumas evidências já foram apontadas por estudos recentes divulgados por publicações de grande impacto como, por exemplo, a existência de uma taxa de complicação um pouco maior nas gestantes infectadas pelo vírus, bem como o sêmen do homem infectado acusar a presença de COVID-19. Esses dados norteiam a decisão da mulher e/ou casal em planejar um pouco mais a gravidez, sendo uma das alternativas mais seguras nesse momento a criopreservação de óvulos.

 

O Covid pode interferir na fertilidade feminina?

Segundo Dr. Emerson Barchi Cordts, a Covid-19 parece não interferir na fertilidade feminina. O Sars Cov 2, que é o vírus causador da Covid 19, é um vírus gripal da família coronaviridae que causa um quadro sintomático autolimitado de gripe num primeiro momento. O grande problema está no quadro inflamatório exagerado ocorrido em alguns pacientes gerados por essa doença. Conhecido como tempestade inflamatória ou tempestade imunológica, essa reação em algumas pessoas ocorre de forma atípica e muito intensa, criando um cenário de inflamação desordenada no organismo. É essa resposta inflamatória que leva as complicações, tanto pulmonares, quanto intestinal, cerebral, cardíaca, pele, dentre outras. A base disso, ainda pouco compreendida, pode ser um problema no vaso, chamado de vasculite.

 

Do ponto de vista da fertilidade, até onde os estudos mostram, não existe uma relação de efeito negativo. Em relação a gestante, a meta análise publicada em março desse ano no Canadian Medical Association Journal (cruzando os dados de 42 estudos, com destaque para o norte-americano publicado no Journal of American Medical Association em janeiro de 2021), com aproximadamente 440 mil gestantes, mostra que existe uma taxa de complicação um pouco maior nas gestantes infectadas com o vírus versus as gestantes sem COVID-19, destacando a hipertensão, pré-eclâmpsia, diabetes gestacional e pré-termo.

 

 A mulher grávida deve ser vacinada?

Toda gestante é considerada paciente de risco, porque a mulher grávida tem a sua imunidade diminuída, o que a deixa mais propensa a pegar qualquer tipo de infecção, inclusive o coronavírus. Não foram detectados casos significativos de transmissão vertical: de mãe para feto.

 

O que explica essa não transmissão é a ausência do vírus no feto, placenta e a ausência de sinais dos sintomas no feto. De acordo com o Caderno Digital: Covid-19 e Vacinas na Gestação, elaborado pela Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida e publicado em seu site (sbra.com.br) a vacina estimula a produção de anticorpos passados da mãe para o feto, sendo assim é recomendada a vacinação para a gestante.

 

Os casos de transmissão da grávida para o bebê são extremamente raros, a mãe atua como um escudo protetor para o feto ao ser infectada, já que ocorrerá a produção de anticorpos absorvidos pelo pequeno durante o período de gestação por meio do cordão umbilical.

 

Já as crianças recém-nascidas que adquiriram a Covid-19 logo depois do nascimento mostraram um quadro evolutivo muito bom. Apesar do bebê ser extremamente frágil, o fato de seu sistema imunológico não ter começado a trabalhar ainda e não ter sido exposto a patógenos poderia explicar essa reação positiva no combate ao vírus. Conclui-se então que os riscos são muito pequenos em relação a fertilidade, em relação a gravidez e em relação a criança.

 

O vírus pode chegar no sistema reprodutor da mulher?

Segundo Emerson Barchi Cordts, essa chegada do vírus ao sistema reprodutor da mulher pode ocorrer. Como qualquer vírus, o Corona passeia por todos os órgãos do corpo. O que as evidências mostram é a baixa probabilidade da passagem placentária. No caso da gestante a placenta funciona como um grande filtro. O vírus gripal, não só a Covid-19, mas também o H1N1 por exemplo, não exerce uma transmissão vertical significativa, dessa forma por estar dentro da placenta a idoneidade do líquido amniótico é preservada.

 

Os óvulos podem ser infectados pela Covid?

De acordo com Ivan Henrique Yoshida, não existem dados na literatura de que a infecção causada pelo SARS-COV-2 possa afetar diretamente os gametas (óvulos e espermatozóides).

 

No entanto, alguns estudos já demonstraram que a infecção pelo coronavírus pode levar à diminuição da qualidade seminal. Isso ocorre, provavelmente, pela dinâmica da produção espermática, que leva 72 dias e ocorre nos túbulos seminíferos dos testículos. Após esse período, eles ficam armazenados no epidídimo (órgão adjacente aos testículos). Por ser um processo longo e pelos testículos estarem mais vulneráveis a infecções, o impacto nos homens pode ser maior.

 

Já os óvulos, se encontram nos ovários, protegidos em estruturas denominadas folículos. O ciclo ovulatório de um folículo recrutado dura 14 dias. O período de exposição é menor, e após a ovulação, o gameta feminino é imediatamente captado pela trompa uterina e fertilizado pelo espermatozoide. As mulheres que desejam criopreservar os seus óvulos, deverão testar negativo para o vírus e, caso se contaminem no período do tratamento, ou seja, durante os 10 dias que utilizarão hormônios para estimular a produção dos óvulos, o procedimento deverá ser adiado.

 

Todas essas medidas garantem que o processo de tratamento em reprodução assistida, quer seja a Fertilização In Vitro (FIV) ou a Vitrificação de Óvulos (Congelamento), ocorram com o máximo de segurança, tanto para as pacientes, quanto para as amostras manipuladas no laboratório; impossibilitando a contaminação cruzada.

 

A vacina causa algum efeito na mulher durante o processo de aplicação dos hormônios para estimulação dos óvulos?

Segundo Dr. Emerson Barchi Cordts, não existe nenhum efeito da vacina na aplicação dos hormônios. A vacina, qualquer uma delas, estimula o sistema imunológico a reconhecer uma proteína viral e a desenvolver uma resposta imunológica contra o vírus. Isso não tem como prejudicar a evolução de um tratamento, nem concomitantemente e tampouco a futuro. Os estudos com as vacinas estão em andamento, sendo assim não se pode afirmar qualquer provável efeito.  

 

Congelar óvulos durante a pandemia em home office é seguro? Qual o protocolo indicado as pacientes e o adotado pelas clínicas de congelamento de óvulos?

Quando começou a pandemia no ano passado, até agosto de 2020, o mundo viveu momentos bem restritivos em relação as clínicas de reprodução assistida, ninguém sabia ao certo o impacto que ela tinha, tanto na mulher, na grávida, no feto, nos óvulos e no espermatozoide, então sempre que uma doença nova se apresenta e não se sabe qual o impacto causador numa sociedade, a primeira ação é a cautela. “Quando essa situação passou a ser tratada como pandemia a orientação das sociedades médicas do mundo todo foi de não transferir embrião, congelar os óvulos das pacientes que já tinham iniciado o tratamento e, não iniciar outros tratamentos, ou seja, ainda que estivéssemos em um período de crise, quem já havia começado o tratamento poderia finalizar e/ou congelar. Como o impacto nos óvulos sempre se mostrou muito pouco provável, até por se tratar de um vírus gripal, não houve a restrição ao congelamento, houve uma restrição em transferir embrião”, relata Dr. Emerson Barchi Cordts.

      

O Mestre e Doutor em Medicina Reprodutiva pela FMABC, diz que fazer o tratamento durante essa fase de pandemia tem as suas vantagens, uma vez que boa parte das mulheres estão trabalhando em regime de "home-office", o que lhes garante menor risco de infecção e maior comodidade e disponibilidade para as visitas médicas que se façam necessárias. Por outro lado, as clínicas e laboratórios de reprodução assistida estão seguindo rigorosos protocolos e aplicam todos os que são exigidos pela ANVISA, os chamados POPs (Protocolo operacional de funcionamento de cada procedimento).

 

·        A realização do PCR nas pacientes que entrarão na clínica e funcionários, evitando a contaminação cruzada;

·        A solicitação do paciente comparecer desacompanhado na clínica, evitando assim o aumento de fluxo dentro do local;

·        O espaçamento de consultas tanto em tempo quanto em espaço físico para evitar aglomeração na sala de espera;

·        O controle de temperatura dos pacientes e funcionários toda vez que adentram a clínica;

·        A utilização de propé (protetores de sapatos) a todos os pacientes, oferecidos por nós, evitando assim a contaminação trazida da rua para dentro do consultório;

·        Se a máscara da paciente não é adequada lhe é oferecido o mesmo modelo utilizado pela equipe médica e de saúde, comprovadamente eficazes;

·        Estimulamos a higienização das mãos o tempo todo, disponibilizando álcool gel, que estão espalhados por todo o espaço, em todos os setores: recepção, consultório, banheiro, cozinha e sala de espera;

·        Os funcionários, médicos e staff trabalham com todos os EPIs necessários e exigidos pelos órgãos regulamentadores;

·        E atualmente a vacinação de todos os colaboradores.

 

No caso das pacientes pede-se que evitem a exposição desnecessária com outras pessoas, ou caso seja impossível, utilizar a máscara de filtro e realizar a todo momento a assepsia das mãos.

 

Então para a mulher que deseja engravidar e não está vendo uma luz no fim do túnel nesse atual cenário, a criopreservação de óvulos nesse momento cai como uma luva, pois ela estará segura em todos os âmbitos e tranquila quanto a idade de seu óvulo.

 

Sobre os especialistas

 

Dr. Emerson Barchi Cordts

 

Médico, formado em 1994 na Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), com residência médica em Ginecologia, Obstetrícia e Cirurgia Vídeo-Endoscópica pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) e especializado pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Entre 1998 e 2001 foi fellow em Ginecologia e Obstetrícia pelo Monmouth Medical Center at Long Branch – Hahnemman University, Philadelphia, USA; fellow em Medicina Reprodutiva pela Profert Reprodução Humana, São Paulo, Brasil e pela University of Alabama at Birmingham (UAB – Georgia, USA). Entre 2001 e 2002 coordenou a Unidade de Reprodução Assistida (URA) do Hospital e Maternidade São Luiz em São Paulo. Em 2003 fundou a Embryo Genesis Reprodução Humana.

 

Em 2005 coordenou o projeto inédito de lançamento da Gene Medicina Reprodutiva, primeiro laboratório de Reprodução Assistida com qualidade de ar certificado sala 100 de São Paulo. Em 2007 se tornou Coordenador Clínico do Centro de Reprodução Humana da FMABC; em 2011 defendeu o mestrado em Medicina Reprodutiva pela FMABC; em 2017 ganhou o prêmio GFI – Grant for Fertility Innovation em Geneve, Switzerland. Desde 2018 é diretor clínico do Instituto Ideia Fértil de Saúde Reprodutiva – FMABC e Professor Associado da Disciplina de Saúde Sexual, Reprodutiva e Genética Populacional da FMABC. Em 2020 defendeu o doutorado em Medicina Reprodutiva pela FMABC e ingressou no Comitê de Educação Médica Continuada da Red Latinoamericana de Reproduccion Asistida (REDLARA) e no Comitê de Ética Médica da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).

 

É membro das sociedades Paulista de Medicina Reprodutiva (SPMR); Brasileira de Reprodução Humana (SBRH); Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA); Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e Européia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE). Autor de inúmeros trabalhos em revistas internacionais e capítulos de livros no Brasil. Atualmente, é palestrante nacional e internacional em Reprodução Humana para os laboratórios Merck Group e Ferring Pharmaceuticals. Foi diretor científico dos Simpósios Internacionais de Reprodução Humana e Genética do Instituto Ideia Fértil (FMABC) nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2020.

 

Ivan Henrique Yoshida

 

Biomédico, com habilitação em Reprodução Humana Assistida (2010) pela Universidade de Santo Amaro (UNISA). Pós-Graduado em Infertilidade Conjugal e Reprodução Assistida pela Sociedade Paulista de Medicina Reprodutiva – SPMR (2011) e Mestre em Genética Reprodutiva pela FMABC (2016).

 

Atuou como embriologista na clínica Projeto ALFA (2010 – 2016) e gerente de laboratório na clínica Santo António – MATER, em Luanda/ Angola (2015 – 2016). Atualmente, é diretor de Laboratório de Reprodução Assistida do Instituto Ideia Fértil de Saúde Reprodutiva – FMABC, Coordenador da Pós-Graduação em Laboratório de Reprodução Humana na FMABC e consultor técnico de laboratórios de Fertilização In Vitro no Brasil e no exterior. Realizou estágios observacionais em diversas clínicas renomadas como G.EN.E.R.A. (Itália), IVI (Espanha), The Fertility Partnership (Inglaterra), IVFMD (EUA), dentre outros. Membro do Comitê Nacional de Embriologia da SBRH e do Comitê Científico dos Simpósios Internacionais de Reprodução Humana e Genética do Instituto Ideia Fértil (FMABC) nos anos de 2018 e 2020.

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