O “Novo Ensino Médio” é velho e
inadequado ao Brasil
O Ensino Médio, ou Nível Médio neste
caso, frequentementeé tema de acalorados debates e já foi alvo de diversas
ações reformistas ao longo da história brasileira. Questiona-se tanto os
formatos,quanto seus conteúdos e finalidades.
Para a maioria dos educadores trata-se da etapa escolar na
atualidade que mais necessita de aperfeiçoamentos. Vários indicadores apontam
resultados insatisfatórios, evasão e reprovação elevadas, entre outros
problemas. Assim, mudanças são necessárias, mas os rumos a serem seguidos
merecem nossa mais apurada reflexão.
Porém, o fato de existir muitos debates sobre o Ensino Médio
não significa que todos sejam esclarecedores. Há muita confusão. O atual Nível
Médionão é uma etapa escolaruniforme, monolítica ehomogênea. Existem diferentes
modalidades dentro do Nível Médio e isso não deve ser esquecido. Inclusive no
Brasiltemoso Ensino Médio Integrado dos Cefets e Institutos Federaisque é um
exemplo que comumente não apresenta as principais deficiências desta
estratégica etapa escolar.
Outro problema que afeta o Ensino Médio é o debate-armadilha,
ou pseudo-debate, sobre a chamada crise de identidade. Muitos não conseguem
enxergar as diversas demandas solicitadas desta etapa. Necessidades sociais,
culturais, profissionais, formativas e propedêuticas pesam sobre o Ensino
Médio. Não é uma ou outra, todas são importantes e merecem atendimento.
Essa incompreensão, ou ofuscamento, é agravado pela repetição
improdutiva e tentativas de atualização de interpretações cristalizadas sobre o
Ensino Médio que foram muito fortes no passado brasileiro e mundial. É preciso
superar certos debates.
Historicamente o Ensino Médio teve seus formatos ditados pelo
vestibulismo colonizador,alienantee em alguns casos até ensandecido, ou então pelosinteresses
de mercado. As duas visões estão presas a debates-armadilhas do passado, becos
sem-saída, que impedem o avanço de um debate franco, honesto, plural e
realmente útil e construtivo. Nem o
vestibular, nem o mercado podem ser os únicos balizadores para a construção de
um Ensino Médio adequado aos estudantes e a sociedade.
No Brasil, desde 2009 o Ensino Médio
compõe a Educação Básica Obrigatória, resultado do esforço e da luta de vários
educadores, e, como é sabido, trata-se da última etapa antes do ingresso no
Ensino Superior, portanto, momento estratégico, porta de saída da Educação
Básica, época de intenso desenvolvimento emocional e muitas decisões pessoais e
profissionais dos estudantes.
Após o Ensino Médio prevalece a profissionalização e não mais
a Formação Básica para a Vida e para a Cidadania. Portanto, temos que ter mais cuidado,
empenho e apreço nesta etapa-chave na vida das pessoas, dos cidadãos e futuros
trabalhadores.
Afinal, a continuidade dos estudos no Ensino Superior não é
obrigatória, alguns não a desejam ou não conseguemacessá-la por diversas razões.
Assim, não podemos ficar indiferentes ouempobrecer o Ensino Médio confiantesno
Ensino Superior. E como ficará aEducação da adolescência? A adolescência ocorre
apenas uma vez na vida. Traumas e desajustes podem ocorrer se formos
indiferentes. O Brasil precisa cuidar mais e melhor da Educação Básica,
incluindo, o Ensino Médio.
Em 2017, o Ensino Médio viveu um
triste episódio de sua história. Trata-se da barulhenta e inconsequente Reforma
Temer que resultou na Lei Federal nº 13.415 de 2017 que aprovou o “Novo Ensino
Médio”. Aprovar uma lei não significa
alterar a realidade educacional. Canetadas malucas são efeitos midiáticos que
serve a outros fins, não os educacionais e construtivos. Foi o que aconteceu na
época com um governo recém-chegado ao poder após um impeachment controvertido,
desejoso de se afirmar, e que teve comoum dos primeiros atos justamente a dita
Reforma do Ensino Médio.
A Reforma Temer foi feita demaneira
atropelada, através de Medida Provisória, sem o debate honesto, plural e
democrático necessário. Uma campanha publicitária colossal foi realizada na
época pelo governo (TV, rádio, internet, cartazes, lemas, músicas, reportagens
de jornais, etc.) como raras vezes ocorreu na História da Educação Brasileira.
Uma avalanche. Um gigantismo que abordou apenas uma versãosobre a questão e forçou
o convencimento artificial, pra não dizer artificioso, da opinião pública.
A sociedade brasileira precisa repensarcom urgência se os
governos podem utilizar-se de recursos públicos de forma tão agressiva e unilateral
como ocorreu neste episódio. Criou-se na época uma disputa, às vezes hostil,
entre alguns setores da população e educadores. Uma rivalização, polarização e
radicalização desnecessária. Favoráveis versus contrários. E o mérito da
questão ficou em segundo plano.
Essa campanha publicitária e a dita reforma prometeram o que
não podiam cumprir. Anunciaram a
ampliação da carga horária do Ensino Médio, a flexibilização curricular com a criação
e efetivação de cinco itinerários formativos diferentes ao final da etapa
escolar e o protagonismo estudantil na escolha dos ditos itinerários. Disseram
em vários comerciais que o “Novo Ensino Médio” mudaria a história da etapa
escolar.
Quatro anos apósreforma pouco coisa mudou e a preocupação aumentou.
A ampliação da carga horária, que já era prevista em leis anteriores, até agora
é uma incógnita e um desafio. Vários governos estaduais não sabem como vão
efetivar a lei de 2017 e muitos já entenderam que além de não resolver os
problemas do Ensino Médio ela pode até agravá-los.Exemplo disso é a
determinação da lei que diminuiu o número de disciplinas obrigatórias,medida que
é vista com preocupação por vários educadores que temem o empobrecimentoda
formação.
Outra fonte de preocupação é a flexibilização curricular
prometida como panaceia para a maioria dos males da etapa escolar o que
sabidamente não é verdade. Enquanto as escolas públicas se esforçam para
ofertar pelo menos um itinerário, algumas escolas particulares estão
trabalhando para oferecer e comercializar simultaneamente os quatro
itinerários, com exceção do itinerário profissional, sob o discurso de que seus
estudantes-clientes ficarão mais preparados para o vestibular. Ou seja, a
reforma acentuou o caráter propedêutico, vestibuleiro, e pode ressuscitar o
elitismo que o Ensino Médio tinha no passado.
A Reforma Temer prometeu que cada um
dos adolescentes brasileiros poderia escolher entre cinco itinerários como
preferem terminar seu Ensino Médio. Isso não é verdade. Pela lei aprovada quem
vai escolher é a escola qual itinerário poderá, ou irá, ofertar. A maioria dos
municípios brasileiros tem poucas ou apenas uma escola de Ensino Médio.
Levantamentos realizados mostram que na verdade haverá pouquíssima ou nenhuma
escolha. Muitos estudantes terão que se conformar com o que for disponibilizado
da mesma forma que ocorria antes da dita reforma, ou seja, uma pseudo escolha.
Prometer o que não se pode cumprir não resolve o problema.
Na verdade o chamado “Novo Ensino Médio” é velho. Isso mesmo.
A flexibilização curricular já existiu no Brasil em dois momentos anteriores. O
primeiro de 1931 a 1942 e o segundo de 1942 a 1971. No primeiro, chamava-se
Curso Complementar e dividia-se em três itinerários de acordo com o curso
superior pretendido, que eram: Direito e áreas afins; Medicina e áreas afins;
Engenharia e área afins. No segundo, chamava Colegial e se dividia em Curso
Clássico e Curso Científico. Em Minas
Gerais, na primeira década do século XXI, também se tentou sem sucesso
ressuscitar uma divisão do Ensino Médio em itinerários (Biológicas, Humanas e
Exatas). Esse modelo é a típica visão propedêutica que enxerga o Ensino Médio
apenas como etapa escolar preparatória para o Ensino Superior. Bem ao terrível
estilo: “De frente pra Faculdade e de costas para os estudantes adolescentes e
para a sociedade.”
Assim a dita reforma é inadequada ao Brasil ao acentuar a
visão propedêutica vestibuleira e as diferenças já marcantes entre ricos e
pobres, o velho dualismo que tanto marcou a história do Ensino Médio, agora reforçado
pela lei de 2017, além de desviar o foco de um debate real sobre os problemas e
soluções para a etapa escolar.
No fim todos perdem, inclusive os estudantes das escolas
particulares, pois,desviou oEnsino Médio de caminhar rumo a uma escolaridade
mais adequadaà adolescência e as demandasda sociedade.Subdivisões labirínticas,
cheia de armadilhas minotáuricas e escolhas impróprias para a faixa etária não
resolvem o problema.
Mudanças curriculares não tem poder pararesolverproblemas
sociais crônicos que afetam o Ensino Médio, como falta de perspectivas de
adolescentes das classes mais pobres, deficiências estruturais das escolas e da
formação de professores, falta de autonomia do Ensino Médio frente ao Ensino
Superior, entre outros. Nos países desenvolvidosonde essas subdivisões existem
as etapas anteriores ao Ensino Médio tem qualidade e na maioria o Ensino
Superior é praticamente universalizado. E mesmo nestes a ideia de um Ensino
Médio dependente do Ensino Superior sofre contestações.Todas essas críticas já
eram sabidas em 2017.
O Ensino Médio não pode ficar reclamando das demandas sociais
que lhe batem à porta. Educar a adolescência, preparar para o vestibular, para
o trabalho ou para o mercado? Atender essa ou aquela demanda? Debate
interminável porque mal colocado. O Ensino Médio não pode escolher o que vai
atenderou qual classe social vai receber qual tipo de formação.Não é correto
decidir o destino do cidadão no Ensino Médio.
Assim, apenas um Ensino Médio Pentafuncional, que atenda as
finalidades formativa, profissional, propedêutica, social e cultural pode
resolver a questão. Precisamos ampliar o Ensino Médio rumo a uma formação
realmente integrale não restringi-lo ou subdividi-lo. Precisamos de um Ensino
Médio adequado ao público que o frequenta, verdadeiramente amplo, renovado e
integral.
Prof. Dr. Luciano Marcos Curi - IFTM – Câmpus
Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br