quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Coluna do Professor Luciano Marcos Curi

 O “Novo Ensino Médio” é velho e inadequado ao Brasil

 


            O Ensino Médio, ou Nível Médio neste caso, frequentementeé tema de acalorados debates e já foi alvo de diversas ações reformistas ao longo da história brasileira. Questiona-se tanto os formatos,quanto seus conteúdos e finalidades.

Para a maioria dos educadores trata-se da etapa escolar na atualidade que mais necessita de aperfeiçoamentos. Vários indicadores apontam resultados insatisfatórios, evasão e reprovação elevadas, entre outros problemas. Assim, mudanças são necessárias, mas os rumos a serem seguidos merecem nossa mais apurada reflexão.

Porém, o fato de existir muitos debates sobre o Ensino Médio não significa que todos sejam esclarecedores. Há muita confusão. O atual Nível Médionão é uma etapa escolaruniforme, monolítica ehomogênea. Existem diferentes modalidades dentro do Nível Médio e isso não deve ser esquecido. Inclusive no Brasiltemoso Ensino Médio Integrado dos Cefets e Institutos Federaisque é um exemplo que comumente não apresenta as principais deficiências desta estratégica etapa escolar.

Outro problema que afeta o Ensino Médio é o debate-armadilha, ou pseudo-debate, sobre a chamada crise de identidade. Muitos não conseguem enxergar as diversas demandas solicitadas desta etapa. Necessidades sociais, culturais, profissionais, formativas e propedêuticas pesam sobre o Ensino Médio. Não é uma ou outra, todas são importantes e merecem atendimento.

Essa incompreensão, ou ofuscamento, é agravado pela repetição improdutiva e tentativas de atualização de interpretações cristalizadas sobre o Ensino Médio que foram muito fortes no passado brasileiro e mundial. É preciso superar certos debates.

Historicamente o Ensino Médio teve seus formatos ditados pelo vestibulismo colonizador,alienantee em alguns casos até ensandecido, ou então pelosinteresses de mercado. As duas visões estão presas a debates-armadilhas do passado, becos sem-saída, que impedem o avanço de um debate franco, honesto, plural e realmente útil e construtivo.  Nem o vestibular, nem o mercado podem ser os únicos balizadores para a construção de um Ensino Médio adequado aos estudantes e a sociedade.

            No Brasil, desde 2009 o Ensino Médio compõe a Educação Básica Obrigatória, resultado do esforço e da luta de vários educadores, e, como é sabido, trata-se da última etapa antes do ingresso no Ensino Superior, portanto, momento estratégico, porta de saída da Educação Básica, época de intenso desenvolvimento emocional e muitas decisões pessoais e profissionais dos estudantes.

Após o Ensino Médio prevalece a profissionalização e não mais a Formação Básica para a Vida e para a Cidadania. Portanto, temos que ter mais cuidado, empenho e apreço nesta etapa-chave na vida das pessoas, dos cidadãos e futuros trabalhadores.

Afinal, a continuidade dos estudos no Ensino Superior não é obrigatória, alguns não a desejam ou não conseguemacessá-la por diversas razões. Assim, não podemos ficar indiferentes ouempobrecer o Ensino Médio confiantesno Ensino Superior. E como ficará aEducação da adolescência? A adolescência ocorre apenas uma vez na vida. Traumas e desajustes podem ocorrer se formos indiferentes. O Brasil precisa cuidar mais e melhor da Educação Básica, incluindo, o Ensino Médio.

            Em 2017, o Ensino Médio viveu um triste episódio de sua história. Trata-se da barulhenta e inconsequente Reforma Temer que resultou na Lei Federal nº 13.415 de 2017 que aprovou o “Novo Ensino Médio”.  Aprovar uma lei não significa alterar a realidade educacional. Canetadas malucas são efeitos midiáticos que serve a outros fins, não os educacionais e construtivos. Foi o que aconteceu na época com um governo recém-chegado ao poder após um impeachment controvertido, desejoso de se afirmar, e que teve comoum dos primeiros atos justamente a dita Reforma do Ensino Médio.

            A Reforma Temer foi feita demaneira atropelada, através de Medida Provisória, sem o debate honesto, plural e democrático necessário. Uma campanha publicitária colossal foi realizada na época pelo governo (TV, rádio, internet, cartazes, lemas, músicas, reportagens de jornais, etc.) como raras vezes ocorreu na História da Educação Brasileira. Uma avalanche. Um gigantismo que abordou apenas uma versãosobre a questão e forçou o convencimento artificial, pra não dizer artificioso, da opinião pública.

A sociedade brasileira precisa repensarcom urgência se os governos podem utilizar-se de recursos públicos de forma tão agressiva e unilateral como ocorreu neste episódio. Criou-se na época uma disputa, às vezes hostil, entre alguns setores da população e educadores. Uma rivalização, polarização e radicalização desnecessária. Favoráveis versus contrários. E o mérito da questão ficou em segundo plano.

Essa campanha publicitária e a dita reforma prometeram o que não podiam cumprir.  Anunciaram a ampliação da carga horária do Ensino Médio, a flexibilização curricular com a criação e efetivação de cinco itinerários formativos diferentes ao final da etapa escolar e o protagonismo estudantil na escolha dos ditos itinerários. Disseram em vários comerciais que o “Novo Ensino Médio” mudaria a história da etapa escolar.

Quatro anos apósreforma pouco coisa mudou e a preocupação aumentou. A ampliação da carga horária, que já era prevista em leis anteriores, até agora é uma incógnita e um desafio. Vários governos estaduais não sabem como vão efetivar a lei de 2017 e muitos já entenderam que além de não resolver os problemas do Ensino Médio ela pode até agravá-los.Exemplo disso é a determinação da lei que diminuiu o número de disciplinas obrigatórias,medida que é vista com preocupação por vários educadores que temem o empobrecimentoda formação.

Outra fonte de preocupação é a flexibilização curricular prometida como panaceia para a maioria dos males da etapa escolar o que sabidamente não é verdade. Enquanto as escolas públicas se esforçam para ofertar pelo menos um itinerário, algumas escolas particulares estão trabalhando para oferecer e comercializar simultaneamente os quatro itinerários, com exceção do itinerário profissional, sob o discurso de que seus estudantes-clientes ficarão mais preparados para o vestibular. Ou seja, a reforma acentuou o caráter propedêutico, vestibuleiro, e pode ressuscitar o elitismo que o Ensino Médio tinha no passado.

            A Reforma Temer prometeu que cada um dos adolescentes brasileiros poderia escolher entre cinco itinerários como preferem terminar seu Ensino Médio. Isso não é verdade. Pela lei aprovada quem vai escolher é a escola qual itinerário poderá, ou irá, ofertar. A maioria dos municípios brasileiros tem poucas ou apenas uma escola de Ensino Médio. Levantamentos realizados mostram que na verdade haverá pouquíssima ou nenhuma escolha. Muitos estudantes terão que se conformar com o que for disponibilizado da mesma forma que ocorria antes da dita reforma, ou seja, uma pseudo escolha. Prometer o que não se pode cumprir não resolve o problema.

Na verdade o chamado “Novo Ensino Médio” é velho. Isso mesmo. A flexibilização curricular já existiu no Brasil em dois momentos anteriores. O primeiro de 1931 a 1942 e o segundo de 1942 a 1971. No primeiro, chamava-se Curso Complementar e dividia-se em três itinerários de acordo com o curso superior pretendido, que eram: Direito e áreas afins; Medicina e áreas afins; Engenharia e área afins. No segundo, chamava Colegial e se dividia em Curso Clássico e Curso Científico.  Em Minas Gerais, na primeira década do século XXI, também se tentou sem sucesso ressuscitar uma divisão do Ensino Médio em itinerários (Biológicas, Humanas e Exatas). Esse modelo é a típica visão propedêutica que enxerga o Ensino Médio apenas como etapa escolar preparatória para o Ensino Superior. Bem ao terrível estilo: “De frente pra Faculdade e de costas para os estudantes adolescentes e para a sociedade.”

Assim a dita reforma é inadequada ao Brasil ao acentuar a visão propedêutica vestibuleira e as diferenças já marcantes entre ricos e pobres, o velho dualismo que tanto marcou a história do Ensino Médio, agora reforçado pela lei de 2017, além de desviar o foco de um debate real sobre os problemas e soluções para a etapa escolar.

No fim todos perdem, inclusive os estudantes das escolas particulares, pois,desviou oEnsino Médio de caminhar rumo a uma escolaridade mais adequadaà adolescência e as demandasda sociedade.Subdivisões labirínticas, cheia de armadilhas minotáuricas e escolhas impróprias para a faixa etária não resolvem o problema.

Mudanças curriculares não tem poder pararesolverproblemas sociais crônicos que afetam o Ensino Médio, como falta de perspectivas de adolescentes das classes mais pobres, deficiências estruturais das escolas e da formação de professores, falta de autonomia do Ensino Médio frente ao Ensino Superior, entre outros. Nos países desenvolvidosonde essas subdivisões existem as etapas anteriores ao Ensino Médio tem qualidade e na maioria o Ensino Superior é praticamente universalizado. E mesmo nestes a ideia de um Ensino Médio dependente do Ensino Superior sofre contestações.Todas essas críticas já eram sabidas em 2017.

O Ensino Médio não pode ficar reclamando das demandas sociais que lhe batem à porta. Educar a adolescência, preparar para o vestibular, para o trabalho ou para o mercado? Atender essa ou aquela demanda? Debate interminável porque mal colocado. O Ensino Médio não pode escolher o que vai atenderou qual classe social vai receber qual tipo de formação.Não é correto decidir o destino do cidadão no Ensino Médio.

Assim, apenas um Ensino Médio Pentafuncional, que atenda as finalidades formativa, profissional, propedêutica, social e cultural pode resolver a questão. Precisamos ampliar o Ensino Médio rumo a uma formação realmente integrale não restringi-lo ou subdividi-lo. Precisamos de um Ensino Médio adequado ao público que o frequenta, verdadeiramente amplo, renovado e integral.

Prof. Dr. Luciano Marcos Curi - IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

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