Campo Grande e
Cuiabá, 25 de fevereiro de 2021 – O Conselho Regional de Biologia da
1ª. Região (CRBio-01), cuja jurisdição engloba os estados de São Paulo,
Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, apela para que as autoridades tomem
medidas e a sociedade se mobilize para evitar uma nova onda de incêndios
generalizados no Pantanal durante a próxima estação de seca, nos meses
de maio a outubro.
No ano
passado, mais de 22 mil focos de incêndio consumiram pelo menos 30% da
vegetação nativa do bioma. A tragédia aconteceu devido à combinação da
seca prolongada – um fenômeno natural agravado pelo aquecimento global e
desmatamento – com a ação humana, por vezes criminosa, e o desleixo do
poder público.
“Mesmo com
toda a destruição no ano passado, com toda a comoção nacional, nada foi
feito. Os governos ainda não colocaram em prática as medidas preventivas
que tanto discutimos. A hora de agir é agora”, ressalta o Biólogo José
Milton Longo, responsável pela delegacia do CRBio-01 em Campo Grande
(MS).
Condições climáticas
O Pantanal é
uma planície que se estende por três países: Brasil (com 62% da área),
Bolívia (20%) e Paraguai (18%). No Brasil, a porção norte do Pantanal
está no estado de Mato Grosso e a porção centro sul no estado de Mato
Grosso do Sul.
A alma do
Pantanal é o Rio Paraguai, cujas cabeceiras estão em Mato Grosso. A
região é marcada por estações bem definidas de chuva e seca. Na atual
estação de chuvas, as precipitações, principalmente nas cabeceiras do
Paraguai, elevam o nível do rio, que transborda e gradativamente alaga
primeiro a porção norte do Pantanal, depois a parte central e sul.
As lagoas (ou
baias) do Pantanal são berçários de peixes, que atraem aves e toda uma
extensa cadeia de predadores. A exuberância da fauna e flora na cheia
atrai turistas, principalmente para a sub-região de Poconé (MT) e ao
longo da Estrada Transpantaneira e da Estrada Parque, na região de
Miranda e Corumbá (MS).
Com o fim das
chuvas, as lagoas secam gradativamente e dão lugar ao campo limpo (área
predominante de capim), campo sujo (com alguns arbustos e poucas
árvores) e campo de murundum (com ilhas de árvores e arbustos) na
estação de seca, que perdura aproximadamente de maio a outubro. Os
incêndios costumam acontecer principalmente no fim do período de seca,
com risco agravado pela substituição do capim nativo da região pelo
capim africano, mais volumoso, promovida pelos pecuaristas.
O Biólogo
Ibraim Fantin da Cruz, professor doutor da Universidade Federal do Mato
Grosso (UFMT) e especialista na bacia hidrográfica do Rio Paraguai,
explica que a intensidade da seca sazonal tem relação direta com o
volume de chuvas durante o ano. O melhor balizador para a situação
climática do Pantanal é o nível do Rio Paraguai, cuja medição é feita
desde o início do século 20 pela Régua de Ladário, na base fluvial da
Marinha em Corumbá (MS).
De acordo com o
portal da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), pela
Régua de Ladário, o nível do Rio Paraguai estava em 1,48 metro em
24/2/21, muito próximo do nível de 1,50 metro em 24/2/20. A situação
atual seria, por esse parâmetro, igual à do ano passado.
No entanto,
Ibraim Fantin esclarece que a seca no Pantanal em 2020, a maior em cerca
de 50 anos, foi resultado do baixíssimo volume pluviométrico na região
em 2019 e 2020. Mas, a partir da segunda quinzena de dezembro de 2020,
voltou a chover dentro do padrão histórico e assim foi também em janeiro
e fevereiro de 2021.
Quanto ao
futuro, os modelos climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações, preveem que o volume pluviométrico no Pantanal continuará
próximo ao padrão histórico até agosto, segundo Ibraim Fantin. Ou seja, a
previsão é de que o nível do Rio Paraguai subirá gradativamente nos
próximos meses e recuperará parte das perdas nos últimos dois anos.
“Tivemos um
atraso, mas a cheia já começou no norte do Pantanal, uma vez que os
níveis dos principais rios, como o próprio rio Paraguai na altura de
Cáceres e o rio Cuiabá, em Cuiabá, já estão dentro do normal para o
período. Vamos ter uma cheia modesta em todo Pantanal nessa estação de
chuvas, mas a cheia vai acontecer”, prevê Ibraim Fantin. “Na estação de
seca, o Rio Paraguai deve ficar dentro do padrão normal, mas abaixo da
média histórica. A expectativa é de uma situação melhor do que a de
2020. Uma situação de alerta, mas não crítica como a do ano passado”.
Medidas preventivas
Quanto à
situação climática, só é possível torcer para que as previsões do Inpe
se concretizem. Ainda que o regime pluviométrico se mantenha nos níveis
históricos durante o ano, a situação na estação de seca será de alerta.
O Biólogo Luiz
Antonio Solino, professor da Universidade de Várzea Grande (Univag), de
Mato Grosso, conselheiro da ONG Fundação Ecotrópica e representante do
CRBio-01 no Fórum Mato-Grossense de Mudanças Climáticas, reafirma a
importância de o poder público colocar em prática iniciativas de
prevenção amplamente discutidas durante a crise, mas aparentemente
deixadas de lado.
A primeira
recomendação dos especialistas é a criação de brigadas de incêndio
locais do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios
Florestais (PrevFogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Solino defende que, na época da
seca, as brigadas fiquem sediadas em municípios e pousadas – em geral, o
fluxo de turistas acontece apenas na cheia – próximos aos focos de
incêndio.
A
capilarização das brigadas permitiria o rápido deslocamento das equipes
para o combate aos incêndios. Solino explica que a logística de
deslocamento no Pantanal é complexa e que uma equipe do PrevFogo pode
demorar até dois dias para chegar, por exemplo, de Corumbá até um foco
de incêndio.
Os brigadistas
do PrevFogo, em geral, são civis contratados temporariamente pelo
Ibama. Solino sugere que os contratados sejam moradores da região.
Outra medida
de prevenção fundamental é o aumento da fiscalização. Grande parte dos
incêndios no ano passado foi criminosa. Os proprietários de terras no
Pantanal podem realizar queimas controladas, desde que autorizados pelo
poder público e com as devidas precauções para contenção do fogo. Em
2020, e em menor escala nos anos anteriores, houve muitas queimadas não
autorizadas que fugiram do controle e tornaram-se incêndios de grandes
proporções, o que se enquadra como cometimento de crime ambiental.
“Até agora, os
inquéritos abertos pela Polícia Federal não chegaram aos responsáveis
pelos incêndios no ano passado”, ressalta Solino. “O mais preocupante é o
atual desaparelhamento dos órgãos de fiscalização, responsáveis pelas
autuações aos infratores, como as secretarias de meio ambiente, que têm
contingentes pequenos e concentrados nas capitais”.
Para que a
tragédia não se repita este ano, os governos federal, estaduais e
municipais precisam investir em contratação de recursos humanos para as
brigadas e órgãos de fiscalização, treinamento das equipes, criação de
infraestrutura local e compra de materiais, como equipamentos de
proteção individual, além do aluguel de helicópteros para deslocamento e
aviões com capacidade para despejar água sobre as áreas em chamas.
Sobre as
queimas controladas, Solino esclarece que a prática é legal e é
tradicionalmente praticada pelos proprietários rurais para a limpeza do
pasto. Realizar queimas controladas em pequena escala no início da
estação de seca pode ser, inclusive, uma boa estratégia para diminuir a
quantidade de capim potencialmente combustível no período mais agudo da
seca.
No entanto,
Solino adverte que as queimas controladas só podem ser realizadas com
autorização do poder público e sob condições estritas de segurança,
supervisionadas e operacionalizadas por brigadistas do PrevFogo. A área
da queimada deve ser cercada por um buraco que impeça a progressão do
fogo para outras localidades. No caso de mudança do vento ou de outra
circunstância de risco, os brigadistas apagam o fogo. No entorno da
área, não pode haver outras queimadas, de maneira que haja uma rota de
escape para os animais.
Solino
enfatiza também a necessidade do estabelecimento de um sistema mais ágil
de monitoramento dos focos de incêndio, que se somaria à atual
vigilância por imagens de satélite. Ele propõe a construção de torres de
observação, de onde fiscais possam visualizar rapidamente sinais de
fumaça. As torres permitem boa visibilidade na planície do Pantanal.
O projeto de
torres de observação foi discutido pelas autoridades locais e tem como
principal entrave a necessidade de autorizações de proprietários rurais
para as construções em terras privadas. Solino defende, então, que os
governos instalem as torres em áreas públicas, como reservas, parques e
ao longo de estradas.
Para além das
medidas imediatas de prevenção, os Biólogos especialistas apontam que a
preservação do Pantanal passa pela educação ambiental de proprietários
rurais, populações locais e da sociedade como um todo.
José Milton
Longo, responsável pela delegacia do CRBio-01 em Campo Grande, lamenta a
ausência do trabalho efetivo de educação ambiental nas escolas e de
programas dirigidos a pecuaristas e populações que habitam o Pantanal.
“Precisamos de
muita educação, sobretudo educação ambiental, que hoje é pontual. Os
produtores precisam entender que há alternativas para a limpeza dos
pastos sem a utilização do fogo”, defende Longo. “A conscientização, e
urgente, é o único caminho para evitarmos o réquiem do Pantanal”.