segunda-feira, 26 de julho de 2021

Projetos de educação voltado para jovens negros buscam reparar desigualdade racial no mercado de trabalho

 


A histórica desigualdade racial do mercado de trabalho brasileiro se tornou mais evidente com a crise socioeconômica provocada pela Covid-19. Segundo dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos primeiros meses da pandemia, a taxa de desemprego entre as pessoas negras (pretos e pardos) teve alta de 4,0 pontos percentuais. Já a dos brancos, o aumento foi de 0,6 pontos percentuais.

Além do desemprego, a desigualdade salarial também segue em alta. Apesar da metade da população brasileira ser negra (56%), apenas 24% estão no índice dos 10% mais ricos do país. Em relação aos 10% mais pobres, a maioria é negra, correspondendo a 78%.

Para o Instituto Ser +, que oferece capacitação profissional aos jovens em situação de vulnerabilidade, além da discriminação racial, a falta de acesso à educação é um dos fatores que acentua a desigualdade racial, econômica e de oportunidades. Dados recentes do IBGE apontam que na faixa etária entre 18 e 24 anos, as pessoas brancas têm duas vezes mais chances de estarem na universidade ou de já terem concluído o ensino superior, do que pretos e pardos. Mas, a inclusão de pretos e pardos avança lentamente devido a Lei de cotas criada pelo Congresso Nacional no ano de 2012.

“Nossos projetos são voltados aos jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Mas, não por mera coincidência, a maioria dos que chegam até nós, em busca de inserção profissional, são pretos. Essa realidade já diz muito sobre essa desigualdade de acesso. O que precisamos é romper esse ciclo e gerar oportunidades para essa e as próximas gerações”, conta Ednalva Moura, diretora de Educação e Diversidade do Instituto Ser +.

Davi Barbosa, jovem negro de 19 anos, já tinha buscado oportunidades de emprego, mas ressalta que hoje ele percebe que o que precisava era além das funções básicas como Excel e Word. “Através do curso que fiz no Ser +, aprendi coisas que não vi na escola. Hoje sei fazer um currículo mais atrativo e me portar em uma entrevista de emprego ou processo seletivo. Sei qual postura tenho que ter no dia a dia dentro de uma empresa”.

 

Para Jovens Negras

Para buscar reparar a situação, o Instituto Ser + tem oferecido projetos profissionais de ações afirmativas focados na juventude preta em parceria com empresas. Alguns são exclusivos para o público feminino, na tentativa de frear também a desigualdade de gênero. De acordo com dados da PNADC 2019 as mulheres negras somam cerca de 40 milhões e 600 mil pessoas. Dessas, 15 milhões e 500 mil estão fora do mercado e pouco mais de 4 milhões, não possuem ocupação.

Um dos projetos, cofinanciado pelo Ministério Federal da Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha (BMZ, na sigla alemã) é o MUDE com Elas, que inicia neste mês de julho um curso para 20 mulheres negras de 17 a 22 anos em situação de vulnerabilidade social e moradoras das periferias da cidade de São Paulo. A capacitação é uma parceria com a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo, Ação Educativa e terre des hommes Alemanha. A duração é de 3 meses, concomitante à contratação das alunas como Jovem Aprendiz e possibilidade de efetivação por empresas associadas à Câmara.

O MUDE com Elas vem logo em seguida do projeto + Diversidade, que também teve como objetivo oportunizar a formação e inclusão de mulheres negras que vivem em situação de vulnerabilidade, além de fomentar a inserção no mercado de trabalho formal. A capacitação durou 4 meses e foi uma parceria com o Deutsch Bank, via recursos aplicados pela The Resource Fondation.

O curso, oferecido a 33 jovens negras entre 18 e 29 anos, focou nas áreas administrativas e do mercado financeiro com aulas de Cidadania, Administração, Comunicação e Atendimento ao Cliente, Informática, Mercado Financeiro, Negritude e Gênero e Mercado de Trabalho. Todas as participantes tiveram a oportunidade de participar de uma jornada de mentoria e workshops com voluntários executivos.


Ensinando a lidar com as inseguranças

De acordo com especialistas do Ser +, a falta de representação de pessoas negras no mercado de trabalho gera insegurança nos jovens que estão ingressando em um emprego ou buscando oportunidade. Por isso, além da capacitação profissional, os projetos oferecidos pelo Instituto trabalham com ferramentas socioemocionais para que se sintam capazes. “Antes da capacitação eu era uma pessoa que não tinha planos para o futuro, não sabia qual caminho seguir. Aprendi muita coisa que uso no meu trabalho e para o profissional que quero ser. Meu maior sonho é me tornar diretor executivo e quando eu penso no futuro, sei que posso conquistar esse cargo de liderança”, conta Douglas Augusto, jovem negro de 20 anos.


“Além da teoria, o propósito do Ser + é desenvolver o autoconhecimento do jovem. Nossos materiais focam na descoberta de talentos, considerando que a partir do momento em que o indivíduo consegue elevar sua autoestima, ele se apropria da sua própria história e entende o seu valor”, conta Ednalva Moura.

Jovem, negra e moradora da periferia de São Paulo, Tainá Pena, 18 anos, teve uma infância e adolescência marcada pelos efeitos do racismo em sua autoestima. Através da oportunidade de aprender sobre tecnologia e administração no Ser +, e em contato com os profissionais do Instituto, passou a olhar para si mesma com outros olhos. “Eu era muito tímida e fechada. O curso me ajudou a desenvolver esse lado mais autoconfiante. Poucos meses depois, postei no LinkedIn a minha história e ela viralizou, com mais de 500 mil interações. Consegui um emprego depois dessa coragem de me expor e mostrar quem sou”, conta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário