Por Juliana Baladelli Ribeiro*
Você
já pensou como era a sua cidade muito antes de ser uma cidade? Quais
animais andavam por onde hoje trafegam carros, ônibus e motocicletas?
Que tipo de vegetação era dominante, ou quais povos habitavam a região?
As
áreas urbanas, hoje ocupadas por ruas, avenidas, casas, comércios
movimentados, onde vivem 70% dos habitantes do planeta, nem sempre foram
assim. A maioria das cidades do mundo nasceu às margens dos rios e hoje
convive com eles: Paris e o Rio Sena; Londres e o Rio Tâmisa; Porto
Alegre e o Rio Guaíba; e São Paulo, que cresceu entre os rios Pinheiros e
Tietê. Suas águas eram utilizadas para suprir todas as necessidades da
população, como abastecimento, pesca, transporte, limpeza, dessedentação
de animais e lazer.
Quantos
de nós ainda lembram de tomar banho de rio, apenas algumas décadas
atrás? Isso mostra a nossa dependência em relação ao serviço
ecossistêmico mais precioso do mundo: a água limpa. Nossas cidades foram
construídas por cima de um ambiente natural e até hoje vemos reflexos
desta ocupação, muitas vezes realizada sem planejamento. As cidades se
desenvolveram à margem dos rios e depois os esconderam, buscando em
cursos d’água mais longínquos aquilo que seu berço não mais conseguia
prover.
Em
momentos de chuvas intensas, é muito comum que os rios, escondidos,
despercebidos, embaixo daquela avenida tão movimentada, transbordem. É
então que seus habitantes se dão conta de que ainda estão ali, vivos,
dinâmicos, pulsando sob o asfalto. Em momentos de secas e estiagens
severas, nos lembramos que existe água debaixo da terra: aumenta o
número de poços artesianos perfurados e a preocupação sobre um futuro
com escassez hídrica. Mas essa preocupação normalmente é lavada pela
primeira chuva que traz de volta outros problemas, como os resíduos
descartados sem o devido cuidado, que entopem bueiros e assim atrapalham
que a água das chuvas chegue em seu destino natural... o rio, que está
ali, canalizado, seguindo seu fluxo.
Muitas
cidades já estão percebendo que não adianta lutar contra a força da
natureza. Não adianta canalizar rios, cortar árvores, impermeabilizar
todo o solo, e então torcer pela quantidade de chuva adequada e por
temperaturas mais amenas. A crise climática que bate à nossa porta tem
como uma de suas principais consequências a alteração nos padrões de
chuva. As tendências de impactos da mudança do clima variam muito de uma
região para outra, mas de forma geral, podemos perceber eventos
climáticos mais extremos, como chuvas intensas ocorrendo com maior
frequência e estiagens mais prolongadas. As cidades costeiras têm
preocupações adicionais, como o aumento do nível do mar, a intrusão
salina (invasão de água salgada no lençol freático) e a maior frequência
de tempestades mais fortes, que podem se tornar ciclones ou furacões.
Muitas
localidades já usam a força e a sabedoria da natureza a seu favor. Na
cidade de Rio Cheonggyecheon, Coreia do Sul, em um curto espaço de
tempo, o rio que cruza a área central foi revitalizado. Um projeto
complexo foi necessário, com a implosão de um enorme viaduto de concreto
e o estímulo ao uso do transporte público. Como recompensa, hoje o rio é
habitado por peixes, possui cascatas e parques lineares em seu entorno e
se transformou em novo ponto turístico.
No
Brasil, Recife (PE) já está colocando em prática o projeto de
revitalização do Rio Capibaribe, com planejamento urbano integrado a
Soluções Baseadas na Natureza. O rio que divide a cidade, vai passar a
ser ponto de encontro e orgulho para seus moradores. Em Curitiba (PR), o
Rio Barigui apresenta diversos parques em suas margens, sendo o mais
famoso – o Parque Barigui – criado na década de 1970 sob a justificativa
de que seu lago servisse como bacia de contenção de cheias. Hoje é o
parque mais amado da capital paranaense e uma avaliação de retorno de
investimento, realizada pela prefeitura em parceria com a Fundação Grupo
Boticário, identificou que a cada R$ 1 investido no local, retornam
para a cidade R$ 12,50.
É
preciso que as cidades façam as pazes com seus rios e reconheçam ali a
grandiosidade da vida e enormes oportunidades de transformação social.
Grandes metrópoles do mundo têm nos cursos d’água seu cartão postal,
contando com a paisagem do entorno dos rios para gerar oportunidades de
negócios, lazer, turismo e recreação para a população. Crises são
oportunidades e a crise climática pode ser uma boa chance para que as
áreas urbanas se reconciliem com seus recursos hídricos.
* Juliana Baladelli Ribeiro é especialista em Soluções baseadas na Natureza na Fundação Grupo Boticário
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