Com alarde, um cabo submarino de fibra ótica ligando o Brasil à Europa foi inaugurado no início deste mês. Conectando Fortaleza, no Ceará, a Sines, em Portugal — com emersões na Guiana Francesa, Ilha da Madeira, Ilhas Canárias e Cabo Verde —, o EllaLink tem 6 mil quilômetros de comprimento, custou 150 milhões de euros e, assim que estiver em funcionamento pleno, deve reduzir em 50% o tempo de latência entre os continentes, que é como se chama o tempo de resposta na troca de dados.
Além desse cabo, há apenas um outro ligando diretamente o Brasil à Europa: o Atlantis 2, em operação desde o ano 2000, que tem uma capacidade limitada a 20 gigabytes por segundo e é utilizado basicamente para telefonia. O intercâmbio de dados entre Brasil e Europa tinha, até então, de “fazer uma baldeação” nos Estados Unidos.
Pesquisadores ouvidos pela CNN explicam que, com uma capacidade máxima bem maior, que pode se aproximar de 100 terabytes por segundo, esse novo cabo tornará viável, de fato, a telefonia 5G no Brasil. E deixará um cenário mais preparado para a futura tecnologia 6G, esperada para algum momento desta década.
Vantagens do novo cabo
Outro benefício deve ser uma estabilidade maior nos serviços de armazenamento em nuvem, uma necessidade que já era premente e se tornou ainda mais essencial em tempos de pandemia e home office. Para o usuário, até a prática de jogos online pode ficar mais instantânea, ou seja, com respostas mais imediatas. O custo da operação também deve se tornar menor. Ou seja, se assim quiserem, as companhias de telefonia e internet podem repassar melhores tarifas para o consumidor.
“A principal mudança está no balanceamento de tráfego”, contextualiza o cientista da computação Daniel Couto Gatti, diretor da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Hoje muitos dados têm de passar por conexões nos Estados Unidos para chegar à Europa. Com o cabo, temos acesso direto. Isso também deve desafogar o tráfego com os Estados Unidos. E vai permitir serviços diretos na Europa, com qualidade e velocidade.”
Quando a parceria em torno do projeto foi firmada, em 2015, durante o governo Dilma Rousseff (PT) —o investimento é privado; o governo brasileiro fez um aporte minoritário por meio da Rede Nacional de Pesquisa --, esse aspecto foi ressaltado: contornando os Estados Unidos, o novo cabo seria um instrumento para garantir a neutralidade da internet, pois a comunicação intercontinental não estaria sujeita a eventuais regras norte-americanas.
“No dia a dia, podemos ter preços mais competitivos de tarifa”, vislumbra Gatti. “E [o novo cabo] torna viável o 5G de fato. Senão teríamos um gargalo de conexão.”
De acordo com o engenheiro em telecomunicações José Marcos Camara Brito, professor no Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), o EllaLink deve “potencializar a cooperação em áreas estratégicas” entre os dois continentes. Serviços como telemedicina e monitoramento de dados — como os da atmosfera, do clima, dos mares e do meio ambiente em geral — também serão melhorados. Como ele enfatiza, tudo o que “envolve computação de alto desempenho” acaba se beneficiando de uma comunicação com menos latência.
“A grande vantagem é que passa a ter mais segurança [na comunicação], por haver redundâncias. São novos caminhos que os dados podem seguir. Em caso de acidentes, o serviço não vai ser interrompido”, afirma o administrador de empresas e engenheiro da computação Vivaldo José Breternitz, professor na Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Mas contenha sua empolgação, nobre usuário de redes sociais: você não vai sentir nenhuma diferença no seu WhatsApp de toda hora, nem mesmo na navegabilidade de seu celular. “Para as pessoas, é uma melhora muito pequena, imperceptível”, ressalta Breternitz. “É preciso pensar no conjunto.” Trocando em miúdos: é como se uma nova rota facilitasse a chegada de produtos para os atacadistas; no varejo, no consumidor final, o acesso vai ser semelhante, embora esses produtos tenham vindo por uma rota mais ágil e eficiente.
“O alarde da inauguração é por razões políticas”, afirma ele. “A melhoria é como se você colocasse uma antena a mais na rede de celular. O dia a dia das pessoas não vai ser afetado.” O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, participou presencialmente da cerimônia de inauguração das operações do novo cabo, no dia 1º de junho, em Sines, Portugal.
É melhor usar cabos ou satélites?
Comparados com os satélites, os cabos submarinos apresentam duas vantagens: custos reduzidos e maior velocidade de transmissão de dados. “Quanto custa colocar um satélite no espaço? E fazer manutenção?”, questiona Gatti. “Mas o real é que a fibra ótica [dos cabos] ainda é o meio com maior capacidade de transmissão. Numa transmissão via satélite, o tráfego é muito inferior e tem maior latência. O satélite tem a vantagem de permitir o acesso em áreas distantes e de difícil acesso."
Breternitz também lembra um efeito colateral da profusão de satélites na atmosfera terrestre: o congestionamento espacial. “Existe uma preocupação muito grande nesse sentido. Daqui a pouco vai começar a gerar acidentes. E há também o lixo espacial, detritos de antigos satélites que podem se chocar com os satélites em operação”, avalia.
Desde dom Pedro II
A história dos cabos submarinos no Brasil remonta ao período imperial. Em 1857, quando o telégrafo chegou ao Brasil, a primeira linha ligava o centro do Rio de Janeiro a Petrópolis, onde ficava o palácio do imperador. Dom Pedro II (1825-1891), aliás, ficou conhecido por ser entusiasta das novas tecnologias. “Não era um cabo submarino no sentido que usamos hoje, mas havia um trecho que corria por baixo d’água”, ressalva o professor e engenheiro Breternitz.
Em 1874, o imperador inaugurou os primeiros cabos totalmente submarinos do Brasil, ligando as cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém. “Hoje são cerca de 20 os cabos em operação no Brasil”, explica. E por que tantos?
“Dificilmente existem dois iguais. Tecnologias novas vão sendo implementadas, desde o material de que é feito até tecnologias de transmissão, a própria capacidade. Podemos entender o cabo como se fosse um grande tubo e, dentro, correm realmente os cabos que transmitem os dados.” O primeiro cabo do tipo conectando Europa e Estados Unidos começou a funcionar em 1866.
Corrida pelo cabo mais longo do mundo
Atualmente, o SEA-ME-WE3, construído entre 1997 e 2000, é o mais longo cabo submarino do mundo. Ele mede 39 mil quilômetros e conecta 39 pontos terrestres em países da Europa, Oriente Médio e Sudeste Asiático.
Mas a primazia do SEA-ME-WE3 pode estar com os dias contados. Neste mês, o Google anunciou um projeto de construção de um novo cabo, prometendo que será o maior do planeta. Batizado de Firmina, ele deve ligar os Estados Unidos ao sul do continente americano, com emersões no Brasil, na Argentina e no Uruguai.
"Deve servir para trazer maior capacidade de transferências de dados entre datacenters e geradores de conteúdo", analisa Breternitz. "A expectativa é que impacte principalmente a capacidade de transmissão de vídeos por streaming. Além, é claro, de servir de backup para outros cabos. Ou seja: se houver acidente e rompimento de um cabo, o risco de queda [da comunicação] acaba sendo menor."
O carretel gigante da instalação
Os cabos submarinos são construídos como qualquer cabo de telefonia ou transmissão de TV de hoje em dia: com fibra ótica. Os mais antigos eram feitos de cobre. Claro que há um revestimento que protege esse cerne funcional e, no caso dos submarinos, são várias camadas, com o exterior bastante resistente.
Tamanha estrutura exige que a instalação seja feita por navios dotados de um carretel gigante para levar o cabo enrolado a bordo. A embarcação percorre o trajeto que será conectado e vai soltando o cabo no mar, trecho a trecho.
Fonte CNN Brasil
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