Recentemente, o Brasil perdeu Eva Wilma, Bruno Covas, Mc Kevin e mais milhares de pessoas para a Covid-19. Especialistas mostram que a sociedade reage à morte de forma diferente a esses casos.
O último fim de semana foi um verdadeiro obituário na mídia brasileira. Afinal, três mortes chocaram o público: a atriz Eva Wilma, o prefeito Bruno Covas e o funkeiro Mc Kevin. Mas, além deles, milhares de famílias também sofreram ao perder os seus entes queridos para a Covid-19. E estes números são diariamente divulgados pela imprensa em todos os veículos de comunicação.
Mas, em busca de entender de que maneira o falecimento de três personalidades provocou um impacto tão grande em curto espaço de tempo, ao passo que diariamente os noticiários relatam a morte de muitos brasileiros, a neuropsicóloga Leninha Wagner explica que “a percepção das pessoas relacionada à morte é algo pessoal. Quando se fala em milhões, já se torna superficial”.
Para se entender isso, ela detalha que “a reação à morte de uma pessoa especial, que faz parte dos nossos afetos, daquela ‘seleta’ confraria de amores/amigos, é uma experiência pessoal, única e intransferível”.
Além disso, a sociedade, de modo geral, foi educada em um pensamento de que “transcender a vida e compreender a morte como o ‘outro lado’, com o advento da linguagem e da primeira cerimônia desse rito de passagem. Quando enterramos nosso primeiro cadáver, com a intenção de proteger o corpo e resguardar a alma e o respeito pela sua existência”. Dessa maneira, Leninha avalia que as pessoas conseguem compreender a finitude e, portanto, dar o real valor e sentido à vida.
Por outro lado, quando se fala em um número expressivo de óbitos, “pensamos de forma egoísta urge uma espécie de autopreservação: ‘Eu ainda estou vivo’, é como um mantra interno da pessoa”, ressalta Leninha. Diante deste cenário, ela entende que o cérebro não consegue “realizar” números tão altos. “Porém, quando se fala nas mortes de pessoas próximas, esse registro traz significância para meu ambiente emocional, isso repercute em uma onda negativa que causa uma ressonância interna”, detalha.
Seguindo este raciocínio, o neurocientista e filósofo Fabiano de Abreu revela que a mente humana é adaptável. “Assim como há uma adaptação esquiva do que não nos faz bem, um mecanismo protetivo natural proveniente do instinto. Quando nos deparamos com muitas mortes anunciadas, elas surtem um efeito negacionista e o reflexo disso se nota na falta de respeito pelos falecidos na mídia social, que, mesmo mortos, as pessoas negativam a imagem da pessoa”.
Consequentemente, “isso também ocorre devido ao negacionismo derivado da pendência de bem-estar próprio. A própria ansiedade entra como inimiga tornando a pendência de uma vida melhor ou uma vida infeliz, num processo de negação ou ‘cancelamento’ daquele que se evidencia”, completa Abreu.
Além disso, Leninha Wagner lembra que o cérebro humano trabalha com repetição, o que ajuda a economizar energia e ter segurança. “Por isso nos acostumamos a ir sempre pelo mesmo caminho, acordar sempre no mesmo horário, enfim, realizar sempre as mesmas tarefas nos mesmos horários”.
Quando algo se torna tão corriqueiro, “passamos a não ‘enxergar mais’”, sintetiza. Isso se aplica, inclusive, neste cenário trágico com os elevados números de óbitos apresentados nos jornais. “Assim foi com a pandemia, estamos dentro desse cenário que teve seu ineditismo e agora já encontrou seu padrão de repetição até para o número alarmante de mortes. Só reagimos de forma diferente quando é alguém que faz parte das nossas relações, levando-nos a quebrar a rotina, ou seja, alterar este padrão repetitivo”, finaliza Leninha.
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