Carlos Eduardo Gouvêa*
O
Teste do Pezinho é um dos primeiros exames a que um bebê é submetido e
tem uma finalidade muito nobre: detectar um possível Erro Inato do
Metabolismo
(EIM) ou uma enfermidade – muitas vezes fatal - de origem genética.
Se
realizado nas primeiras 48 horas do nascimento, a título de triagem em
todos os bebês nascidos vivos, ele permite detectar muitas doenças que
impedem o normal funcionamento das vias metabólicas, por deixarem de
metabolizar (processar) diversos aminoácidos ou ácidos graxos. Ao se
acumularem no organismo, exatamente por não terem sido processados no
momento certo, muitos destes aminoácidos (que são
as menores partículas que formam as proteínas) passam a exercer um
efeito neurotóxico que pode levar a criança a ter convulsões, retardo
mental e até mesmo levar a óbito nos casos mais severos.
Até
recentemente, o Teste do Pezinho oferecido pelo SUS através do Programa
Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) abrangia apenas seis enfermidades
diferentes, podendo ser também na versão “Expandida ou Ampliada”, que
chega a mais de 50 doenças, já disponível em algumas regiões e na rede
de Saúde Suplementar – e que vai mudar muito com o advento da Lei
14.154/2021. Fato é que o teste precoce e preciso
pode mesmo mudar uma vida, ao proporcionar a chance de ter a informação
que permitirá o acesso à terapia medicamentosa ou nutricional.
Atualmente,
todas as aminoacidopatias, praticamente, podem ser detectadas de forma
precoce por estes testes. No caso do SUS, a única que consta
do PNTN é a fenilcetonúria, por ser mais prevalente em nosso país (em
torno de 1:15.000), e refere-se a uma incapacidade de metabolizar a
fenilalanina, aminoácido essencial, que passa a se acumular, impedindo
inclusive a sua transformação em tirosina, também
necessária para o desenvolvimento humano.
Outras
aminoacidopatias podem também ser detectadas precocemente graças a
tecnologias já disponíveis como aquelas fornecidas por espectrômetros
de massa por tandem, que podem verificar mais de 50 doenças com uma
única amostra de sangue do recém-nascido, em papel filtro, colhido após
48 horas e antes de 5 dias de vida, no caso do teste expandido.
Assim,
graças ao avanço da tecnologia diagnóstica, pode-se detectar de maneira
precoce, em processos de triagem neonatal, várias doenças que possuem
protocolos e diretrizes de tratamento. Mas, na ausência desse processo,
mesmo um diagnóstico tardio pode, eventualmente, atenuar algumas das
sequelas já presentes.
A Lei 14.154/2021
Votada
em tempo recorde e promulgada em 26/5/2021, a Lei 14.154/2021 contou
com uma relatoria técnica que se aproximou de todos os atores
(associações
de pacientes, sociedades médicas, Ministério da Saúde) para discutir o
que seria factível implementar-se. A mudança ocorreu no Art. 10º da Lei
8069/90 (Estatuto da Criança e Adolescente) que teve o acréscimo de 4
parágrafos importantes onde há previsão de
implementação de novos testes de rastreamento de doenças de
recém-nascidos de acordo com a progressão em cinco fases.
Foi
possível assim, prever-se a entrada de enfermidades como galactosemia,
todas as aminoacidopatias, doenças lisossômicas e até mesmo AME –
atrofia
muscular espinhal, mas de forma gradativa, com tempo suficiente para se
preparar a estrutura do PNTN e seus Serviços de Referência.
A
lista de doenças não é terminativa e poderá ser sempre ampliada através
de revisões periódicas baseadas em evidências científicas, além de se
levar em conta os benefícios do diagnóstico e do tratamento precoce,
priorizando-se as de maior prevalência. Tratamento aprovado e
incorporado serão também fatores determinantes.
Cumpre
agora talvez a parte mais difícil: fazer a implementação da nova
legislação aproveitando-se para mitigar os problemas e desafios
atualmente
enfrentados pelo PNTN. Na realidade, acaba sendo uma grande
oportunidade para revisão e “refundação” deste importante Programa, que
acabou de completar 20 anos de idade...
Revisão
dos processos, otimização de recursos existentes e que poderiam ser
compartilhados entre os diferentes estados, além de usar, de forma
inteligente,
a Tecnologia da Informação para compartilhar dados e gerar indicadores
de desempenho, são apenas algumas das sugestões de ações iniciais. Por
fim, equipes multiprofissionais capacitadas para o suporte familiar,
assim como assistência em termos terapêuticos
e nutricionais para toda a vida destes pacientes.
Temos
uma grande oportunidade de deixarmos um legado valoroso para as novas
gerações. Seguramente não será apenas a promulgação desta nova Lei,
mas sim o que faremos todos juntos a partir dela! Mãos à obra!
(*) Carlos Eduardo Gouvêa, advogado e administrador público, é presidente executivo da CBDL, diretor da CMW Saúde e membro da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo (SBTEIM)
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