quarta-feira, 10 de março de 2021

Coluna do Prof. Luciano Marcos Curi:

 

O que é Educação Profissional?



 

“O passado é uma lição para se meditar,

não para se reproduzir.”

 

Mário de Andrade

 

                Examinada apressadamente a expressão Educação Profissional pode induzir ao engano. Educar para quê? Se olharmos o dicionário a palavra Profissional refere-se a profissões. Profissional também pode ser o oposto de amador, ou seja, aquele que exerce seu trabalho com conhecimento, competência, zelo e ética. Enfim, estamos falando de Trabalho.

            Na Sociologia do Trabalho e das Profissões, por exemplo, diferencia-se basicamente, não sem divergências entre os autores, três tipos de Trabalho que são; ocupação, ofício e profissão. Tais categorias são geralmente apresentadas de forma hierarquizada com as profissões no topo, seguida dos ofícios e depois as ocupações. Essa divisão tem origens históricas e reproduz distinções e preconceitos existentes há séculos na sociedade.

Portanto, para compreender-se com mais propriedade o que é Educação Profissional é preciso deixar de lado apenas o significado das palavras e avançar rumo a contextualização mais ampla, para evitar a repetição de conceitos e a reedição de práticas indesejáveis de maneira acrítica. Assim é possível perceber que Educação Profissional refere-se à Educação para o Trabalho e este é uma realidade presente na sociedade de modo geral, a chamada centralidade do Trabalho. Importante lembrar que as primeiras formas de Trabalho surgiram na Pré-história e são anteriores inclusive as primeiras formas de acumulação de capital. Sem o Trabalho a sociedade que hoje conhecemos não existiria, não seria possível. Nós dependemos do Trabalho uns dos outros.

Portanto, o Trabalho é uma dimensão da realidade social que se encontra generalizada e que se convencionou chamar de Mundo do Trabalho, local onde estão todos os que trabalham, mais ou menos prestigiados e valorizados, e independente de sua caracterização. Enfim, o Mundo do Trabalho não se restringe apenas ao universo das profissões como Medicina, Direito, Teologia que exigem formação universitária. Essas possuem mais prestígio e tendem a dominar o debate, mas não são a totalidade.

            Assim, novamente alguns poderiam contestar. Quando penso Educação Profissional penso no Ensino Técnico não na Universidade. Tal ressalva faz sentido porque esse nome foi utilizado no passado brasileiro para referir-se as Escolas Técnicas e suas derivações históricas e institucionais. Alguns países até hoje utilizam Formação Profissional para referir-se ao universo das Escolas Técnicas, seus estudantes e cursos. A própria legislação brasileira atual ainda carrega parte deste ranço.

            No entanto, aqui uma advertência é necessária. Utilizar a expressão Educação Profissional para referir-se apenas a uma parte da formação para o Trabalho é uma prática que tem sua história, mas guarda seus preconceitos e imprecisões.

            Imprecisões porque atualmente a Educação Profissional é mais diversificada, possui cursos de curta duração, de Qualificação, Técnicos, Tecnólogos entre outros. Quanto ao preconceito refere-se a divisão da escolarização para Trabalho cujas origens remontam a Idade Média, época das Universidades e Corporações de Ofícios. As primeiras formavam as profissionais e as corporações os mestres e oficiais, aqueles que tinham um ofício. A ideia de ocupação foi acrescentada mais tarde como o Trabalho semiqualificado ou “desqualificado”, sem ofício, pessoas que tinham apenas uma ocupação para ganhar a vida.

            Assim, percebe-se que a escolarização acaba reproduzindo as divisões existentes na sociedade. Se deveria ser assim é outra coisa. Se devemos referendar e promover tal legado do passado é outra história. Acredito que não. O mais indicado e coerente é entendermos e praticarmos a Educação Profissional como um todo. Formação para todo o Mundo do Trabalho e não apenas para parte dele. Certamente uma ampliação saudável e benfazeja. Uma Educação Profissional no sentido amplo e não restrito.

            Dito isto um outro esclarecimento ainda muito pertinente se faz necessário. Alguns aqui poderiam contestar argumentando que as Corporações de Ofícios não eram escolas. Elas eram uma instituição social híbrida que conjugava num só espaço físico a produção de mercadorias e a formação de novos aprendizes, o chamado Artesanato. Ou seja, o mestre das Corporações era responsável pela Oficina e tinha que cuidar de produzir e ensinar, mas a aprendizagem ocorria diretamente no Trabalho. Isso é verdadeiro. A formação para o Mundo do Trabalho nunca foi inteiramente escolar, nem no Brasil, nem pelo mundo, nem na atualidade. Até hoje vários estudiosos colocam como Educação Profissional modalidades de formação que ocorrem em empresas e sindicados, universidades corporativas entre outros.

            Assim, este artigo deveria ter outro nome? Deveria intitular-se? O que é Escolarização Profissional ou Escolarização para o Trabalho? A resposta é complexa e novamente tem razões históricas. As Universidades no Ocidente surgiram a partir do século XI e foram espaços de elite para formação inicialmente de Teólogos, Médicos e Advogados, as chamadas Artes Liberais que era o Trabalho intelectual. As Corporações de Ofícios surgiram tudo indica na mesma época e foram espaços populares para a formação de artesãos marcenaria, carpintaria, vidraceiros, ourives entre outros, as chamadas de Artes Mecânicas que era o Trabalho manual. Mais tarde a partir do século XVII as Corporações começaram a serem substituídas pelas primeiras Escolas Técnicas. Mais os dois ramos escolares, Universidades e Escolas Técnicas, caminharam separados durante séculos. Instituições escolares diferentes para classes e tipos de Trabalho diferentes. Era o chamado Dualismo Educacional.

Assim, a escolarização para o Trabalho surgiu dividida e apenas no século XX as duas conheceram convergências, mesmo assim alvo de resistências, dificuldades e protestos. A intenção de que a expressão Educação Profissional contemple toda a escolarização para o Trabalho ainda tem dificuldades de ser compreendida. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, por exemplo, é um exemplo desta situação. Ela divide a Educação Brasileira em duas grandes etapas: Educação Básica e Educação Superior. O primeira é a escolarização que todos os cidadãos devem ter acesso; Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. A segunda já é formação para o Trabalho, no caso, de profissionais de Educação Superior. Já os Cursos Técnicos que também são formação para o Trabalho ficam dentro da Educação Básica ou então são apresentados como uma modalidade que se articula com outras modalidades escolares. É confuso sem contar que o nome “Superior”, que remonta a época dos Jesuítas, humilha e inferioriza o restante da escolarização que seria então; “Inferior”. O mais adequado seria: Educação Básica e Educação Profissional.

Entendo que a escolarização para o Trabalho deveria ser unificada sobre um único nome, Educação Profissional, e não deveríamos reproduzir no interior da escolarização preconceitos advindos da sociedade. Quais preconceitos? Discriminação com o Trabalho manual em prol do Trabalho intelectual.  Deveríamos entender a Educação Profissional no sentido amplo e não restrito. Na prática essa mudança já começou. Tanto no Brasil quanto no estrangeiro nós já temos instituições escolares, como os Institutos Federais e os Cefets, que ofertam o catálogo completo de formação para o Trabalho: cursos Técnicos, Tecnólogos, Superiores, Pós-Graduação, Mestrados e Doutorados além de curso de Qualificação e outros semelhantes de menor duração.

Mas alguns poderiam perguntar: qual a necessidade disso?  A resposta agora advém da sociedade e do Mundo do Trabalho. Todas as formas de Trabalho que são úteis e desejáveis a sociedade merecem nossa consideração e respeito. Se o Trabalho manual fosse desnecessário ele já teria desaparecido. A formação de técnicos é tão importante quanto a de universitários. A história humana registra inúmeras profissões, ofícios e ocupações que desapareceram e outras novas que surgiram e o Trabalho continua como categoria central. A escolarização não deveria referendar e ampliar comportamentos sociais fundados em preconceitos antigos, raramente notados e criticados. Coerência condiz com a ética. Educação Profissional no sentido amplo.

Todas as instituições de Educação Profissional, no sentido amplo do termo, deveriam atentar-se para o Mundo do Trabalho e não apenas para o Mercado de Trabalho como querem alguns. As duas expressões não significam a mesma coisa. O Mundo do Trabalho é mais amplo e inclui todas as formas de Trabalho úteis a sociedade mesmo que não sejam remunerados ou socialmente valorizados.

Educação Profissional: ampla ou restrita? Eis a questão. Resposta: ampla.  Precisamos retirar da linguagem mofos do passado rumo Educação Profissional Nova. Educação Profissional com “Vistas longas” e não “Vistas curtas” sob pena de servir apenas ao Mercado de Trabalho e ignorar a humanidade dos estudantes. Educar para o Trabalho não pode limitar-se nem excluir a preparação para o Mercado de Trabalho. Afinal toda a Educação digna desse nome deve também desenvolver outras dimensões das pessoas que são cidadãos, futuros pais, mães e terão outros papéis ao longo da vida. Nunca esquecer que educar é um ato humano cujo destinatário são outros seres humanos. 

 

Prof. Dr. Luciano Marcos Curi - IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

 


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