O que é Educação Profissional?
“O passado é uma lição para
se meditar,
não para se reproduzir.”
Mário de Andrade
Examinada apressadamente a expressão Educação
Profissional pode induzir ao engano. Educar para quê? Se olharmos o dicionário
a palavra Profissional refere-se a profissões. Profissional também pode ser o
oposto de amador, ou seja, aquele que exerce seu trabalho com conhecimento,
competência, zelo e ética. Enfim, estamos falando de Trabalho.
Na Sociologia do Trabalho e das Profissões,
por exemplo, diferencia-se basicamente, não sem divergências entre os autores,
três tipos de Trabalho que são; ocupação, ofício e profissão. Tais categorias
são geralmente apresentadas de forma hierarquizada com as profissões no topo,
seguida dos ofícios e depois as ocupações. Essa divisão tem origens históricas
e reproduz distinções e preconceitos existentes há séculos na sociedade.
Portanto,
para compreender-se com mais propriedade o que é Educação Profissional é
preciso deixar de lado apenas o significado das palavras e avançar rumo a
contextualização mais ampla, para evitar a repetição de conceitos e a reedição
de práticas indesejáveis de maneira acrítica. Assim é possível perceber que
Educação Profissional refere-se à Educação para o Trabalho e este é uma
realidade presente na sociedade de modo geral, a chamada centralidade do
Trabalho. Importante lembrar que as primeiras formas de Trabalho surgiram na
Pré-história e são anteriores inclusive as primeiras formas de acumulação de
capital. Sem o Trabalho a sociedade que hoje conhecemos não existiria, não
seria possível. Nós dependemos do Trabalho uns dos outros.
Portanto,
o Trabalho é uma dimensão da realidade social que se encontra generalizada e que
se convencionou chamar de Mundo do Trabalho, local onde estão todos os que trabalham, mais ou menos
prestigiados e valorizados, e independente de sua caracterização. Enfim, o Mundo do Trabalho não se restringe
apenas ao universo das profissões como Medicina, Direito, Teologia que exigem
formação universitária. Essas possuem mais prestígio e tendem a dominar o
debate, mas não são a totalidade.
Assim, novamente alguns poderiam
contestar. Quando penso Educação Profissional penso no Ensino Técnico não na
Universidade. Tal ressalva faz sentido porque esse nome foi utilizado no
passado brasileiro para referir-se as Escolas Técnicas e suas derivações
históricas e institucionais. Alguns países até hoje utilizam Formação
Profissional para referir-se ao universo das Escolas Técnicas, seus estudantes
e cursos. A própria legislação brasileira atual ainda carrega parte deste
ranço.
No entanto, aqui uma advertência é
necessária. Utilizar a expressão Educação Profissional para referir-se apenas a
uma parte da formação para o Trabalho é uma prática que tem sua história, mas
guarda seus preconceitos e imprecisões.
Imprecisões porque atualmente a
Educação Profissional é mais diversificada, possui cursos de curta duração, de
Qualificação, Técnicos, Tecnólogos entre outros. Quanto ao preconceito
refere-se a divisão da escolarização para Trabalho cujas origens remontam a
Idade Média, época das Universidades e Corporações de Ofícios. As primeiras
formavam as profissionais e as corporações os mestres e oficiais, aqueles que
tinham um ofício. A ideia de ocupação foi acrescentada mais tarde como o Trabalho
semiqualificado ou “desqualificado”, sem ofício, pessoas que tinham apenas uma
ocupação para ganhar a vida.
Assim, percebe-se que a escolarização
acaba reproduzindo as divisões existentes na sociedade. Se deveria ser assim é
outra coisa. Se devemos referendar e promover tal legado do passado é outra
história. Acredito que não. O mais indicado e coerente é entendermos e
praticarmos a Educação Profissional como um todo. Formação para todo o Mundo do
Trabalho e não apenas para parte dele. Certamente uma ampliação saudável e
benfazeja. Uma Educação Profissional no sentido amplo e não restrito.
Dito isto um outro esclarecimento
ainda muito pertinente se faz necessário. Alguns aqui poderiam contestar argumentando
que as Corporações de Ofícios não eram escolas. Elas eram uma instituição
social híbrida que conjugava num só espaço físico a produção de mercadorias e a
formação de novos aprendizes, o chamado Artesanato. Ou seja, o mestre das
Corporações era responsável pela Oficina e tinha que cuidar de produzir e
ensinar, mas a aprendizagem ocorria diretamente no Trabalho. Isso é verdadeiro.
A formação para o Mundo do Trabalho nunca foi inteiramente escolar, nem no
Brasil, nem pelo mundo, nem na atualidade. Até hoje vários estudiosos colocam
como Educação Profissional modalidades de formação que ocorrem em empresas e
sindicados, universidades corporativas entre outros.
Assim, este artigo deveria ter outro
nome? Deveria intitular-se? O que é Escolarização Profissional ou Escolarização
para o Trabalho? A resposta é complexa e novamente tem razões históricas. As
Universidades no Ocidente surgiram a partir do século XI e foram espaços de
elite para formação inicialmente de Teólogos, Médicos e Advogados, as chamadas
Artes Liberais que era o Trabalho intelectual. As Corporações de Ofícios
surgiram tudo indica na mesma época e foram espaços populares para a formação
de artesãos marcenaria, carpintaria, vidraceiros, ourives entre outros, as chamadas
de Artes Mecânicas que era o Trabalho manual. Mais tarde a partir do século
XVII as Corporações começaram a serem substituídas pelas primeiras Escolas
Técnicas. Mais os dois ramos escolares, Universidades e Escolas Técnicas,
caminharam separados durante séculos. Instituições escolares diferentes para
classes e tipos de Trabalho diferentes. Era o chamado Dualismo Educacional.
Assim, a escolarização para o Trabalho surgiu dividida e
apenas no século XX as duas conheceram convergências, mesmo assim alvo de
resistências, dificuldades e protestos. A intenção de que a expressão Educação
Profissional contemple toda a escolarização para o Trabalho ainda tem
dificuldades de ser compreendida. A própria Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira, por exemplo, é um exemplo desta situação. Ela divide a
Educação Brasileira em duas grandes etapas: Educação Básica e Educação
Superior. O primeira é a escolarização que todos os cidadãos devem ter acesso;
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. A segunda já é formação
para o Trabalho, no caso, de profissionais de Educação Superior. Já os Cursos
Técnicos que também são formação para o Trabalho ficam dentro da Educação
Básica ou então são apresentados como uma modalidade que se articula com outras
modalidades escolares. É confuso sem contar que o nome “Superior”, que remonta
a época dos Jesuítas, humilha e inferioriza o restante da escolarização que
seria então; “Inferior”. O mais adequado seria: Educação Básica e Educação
Profissional.
Entendo que a escolarização para o Trabalho deveria ser
unificada sobre um único nome, Educação Profissional, e não deveríamos
reproduzir no interior da escolarização preconceitos advindos da sociedade.
Quais preconceitos? Discriminação com o Trabalho manual em prol do Trabalho
intelectual. Deveríamos entender a
Educação Profissional no sentido amplo e não restrito. Na prática essa mudança
já começou. Tanto no Brasil quanto no estrangeiro nós já temos instituições
escolares, como os Institutos Federais e os Cefets, que ofertam o catálogo
completo de formação para o Trabalho: cursos Técnicos, Tecnólogos, Superiores,
Pós-Graduação, Mestrados e Doutorados além de curso de Qualificação e outros
semelhantes de menor duração.
Mas alguns poderiam perguntar: qual a necessidade disso? A resposta agora advém da sociedade e do
Mundo do Trabalho. Todas as formas de Trabalho que são úteis e desejáveis a
sociedade merecem nossa consideração e respeito. Se o Trabalho manual fosse
desnecessário ele já teria desaparecido. A formação de técnicos é tão
importante quanto a de universitários. A história humana registra inúmeras
profissões, ofícios e ocupações que desapareceram e outras novas que surgiram e
o Trabalho continua como categoria central. A escolarização não deveria
referendar e ampliar comportamentos sociais fundados em preconceitos antigos,
raramente notados e criticados. Coerência condiz com a ética. Educação
Profissional no sentido amplo.
Todas as instituições de Educação Profissional, no sentido
amplo do termo, deveriam atentar-se para o Mundo do Trabalho e não apenas para
o Mercado de Trabalho como querem alguns. As duas expressões não significam a
mesma coisa. O Mundo do Trabalho é mais amplo e inclui todas as formas de
Trabalho úteis a sociedade mesmo que não sejam remunerados ou socialmente
valorizados.
Educação Profissional: ampla ou restrita? Eis a questão.
Resposta: ampla. Precisamos retirar da
linguagem mofos do passado rumo Educação Profissional Nova. Educação
Profissional com “Vistas longas” e não “Vistas curtas” sob pena de servir
apenas ao Mercado de Trabalho e ignorar a humanidade dos estudantes. Educar
para o Trabalho não pode limitar-se nem excluir a preparação para o Mercado de
Trabalho. Afinal toda a Educação digna desse nome deve também desenvolver
outras dimensões das pessoas que são cidadãos, futuros pais, mães e terão
outros papéis ao longo da vida. Nunca esquecer que educar é um ato humano cujo
destinatário são outros seres humanos.
Prof. Dr. Luciano Marcos Curi
- IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br
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